Amor Ateu
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A
fumaça do cigarro subia em preto e branco. Com um branco intransponível de neblina, esgueirava-se pelos lábios e subia para ganhar o contorno daquele rosto
indecifrável, para logo depois se desfazer.
O
conhaque na mão direita, se não fosse pelas duas pedras de gelo quase
derretidas, estaria incólume. Aquele copo, de uma sequencia já esquecida, não
estaria fadado à sede das doses anteriores.
As
cinzas caíam sobre o assoalho revestido de madeira. O vermelho do cigarro ao
ser tragado era a única luz daquele lado do salão. As paredes em pedras
rústicas e lareira apagadas, tudo jazia em paz naquela penumbra.
A
poltrona apontava para o mesmo lugar dos olhos em parcimônia. À frente deles, uma
porta aberta era velada pelo silêncio. Estava a espera, mas não tinha certeza
de quem.
O
tempo era o solitário transeunte daquela porta. Envelhecer era o único
movimento feito bruscamente. A passagem destoava do resto do ambiente, talvez à
espera de alguém fechá-la. Incomodava, mas o olhar não tinha outro destino.
Acreditava.
O
cigarro caíra, e uma vibração se fez no conhaque quando uma silhueta aparecera
rente à passagem. Seria ela? Por todo esse tempo, sem perder um momento da sua ausência,
estaria a ver uma miragem? Respirou fundo, piscou, e percebeu: era só mais um inverno
que chegara.
Amor ateu
é aquele que você acreditou nunca existir, e por assim ser, continuará a inexistir.