Cama Nova
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A
cama é como um livro em branco esperando as histórias formarem-se sobre si.
Para escrever são precisos (pelo menos) dois corpos e nenhuma borracha. Os
capítulos ardentes geralmente precedem os monótonos. As linhas podem seguir seu
comum caminho horizontal, virarem-se na vertical, ou até mesmo fazerem um laço.
Pela
manhã, as dobras dos lençóis se reajustam, o travesseiro encontra o caminho de
volta para a cabeceira, e os pés alinham-se novamente à posição da noite
anterior. Quando a luz, finalmente, entra pela janela encontra o cenário
impecável, como se a página houvesse sido virada e à espera dos braços e pernas.
Incautos podem pensar que a cama voltou ao seu
estado original, mas as memórias deitam-se indeléveis na memória. As quatro
testemunhas permanentes, em seu retângulo imóvel, calam os gemidos abafados,
deixam escapar os gritos escancarados e espreitam o suspiro arrefecido pelo
calor dos corpos.
O
brinco que caiu páginas atrás continua lá como uma leviana sugestão do que
acontecera. O lençol leva embora as gotas de vinho, os verdadeiros e os falsos
orgasmos. Só para não acumular com os pequenos pedaços de unhas que as costas
insistem em arrancar, ou com batom que escapa aos beijos e encontra o edredom.
A
cama é confidente e deseja junto. Ela te expulsa por várias madrugas em claro à
procura de quem lhe apetece. O vazio por onde seu braço se estende pergunta:
onde ela está? Sem um par, o suspiro é gris e vem do pesar por não escrever.
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